Eae galera? Estou meio que “de férias”, só que não. Este texto é algo que eu considero meio pessoal, mas ao mesmo tempo gostaria que fosse uma afirmação para todos que estiverem interessados sobre conceitos como a hierarquia social, trote universitário, timidez e coisas assim.
O email
Ok, basicamente tudo começou por causa de um email mandado para a lista de graduação do Instituto de Informática da UFRGS. Pra quem não está familiarizado com o que é isto, é basicamente um fórum de mensagens que reúne todos os alunos dos cursos de Ciência da Computação (conhecidos como CiCs) e Engenharia da Computação (conhecidos como ECPs). O email é este, ênfase minha:
Algum cara escreve: Gurizada, confirmado CHURRASCO ECP NESSA SEXTA DIA 14/09, faça chuva ou faça sol, vai sair.
… informações sobre o evento em si removidas …
Lembrando aos bixos 2012/2 que apenas quem participou do trote sujo pode comparecer.
Vou chamar a atenção de vocês para aquela última frase ali. Eu achei o fato de alguns alunos serem explicitamente excluídos, no mínimo estranho e um outro colega CiC também. Este outro CiC mandou em resposta um email passivo-agressivo dizendo que achava aquilo bobagem e eu mandei outro em seguida concordando e aproveitando para dizer que eu acho o trote “uma merda”. Meu email foi bem curto, mas deliberadamente agressivo (embora não muito). Em tréplica à minha manifestação ocorreu uma discussão que se estendeu por mais algumas mensagens, mas não muitas, o que é meio atípico de discussões na lista da graduação que por vezes duram semanas.
Agora eu gostaria de explicar publicamente, com direito a réplica nos comentários, o porque da minha resposta.
Personalidade
Eu sou um cara extremamente anti-social. Eu sou um cara que não conseguiria começar uma conversação com um estranho mesmo que a minha vida dependesse disso. Quando eu estou em um ambiente cheio de pessoas desconhecidas eu me sinto hostilizado, frágil e sozinho. Nessas situações eu me sinto extremamente incapaz e a cada segundo que eu passo sozinho este sentimento piora. Eu me sinto enjoado e parece que todos no ambiente me odeiam, bem como eu odeio a todos.
Isso pode soar estranho e exagerado para as pessoas que me conhecem de longa data, porque na realidade eu gosto de pensar que tenho vários amigos e interações sociais saudáveis com estes e com o resto das pessoas. A verdade é que situações como a descrita acima não são tão comuns e geralmente depois de um período de adaptação eu fico de boa. São coisas como entrar em uma nova turma na escola, ir a uma festa/confraternização sem conhecer ninguém, primeiros dias na universidade, etc…
Perfil? Princípios?
Eu luto ativamente contra essa minha timidez e muitas vezes basta descobrir a mínima coisa em comum, trocar uma ou duas palavras com a pessoa para desencadear uma amizade e deixar toda esse merda para trás. Por estas e outras o meu estilo de vida é meio que construído em volta de “facilitadores” de interação social.
- Eu adoro computadores e faço parte de várias comunidades online, por causa da impessoalidade que eles permitem.
- Eu adoro jogos e atividades lúdicas, pois assim posso interagir com pessoas sem todas as outras preocupações associadas.
- Eu gosto de ativamente procurar preferências para música, arte, entre outros que não se encaixem no padrão “mainstream” na esperança (talvez infundada) de que as pessoas associadas a esses grupos sejam mais fáceis de se aproximar (talvez isso me faça um hipster).
- Eu tento evitar situações diretamente competitivas e que criem uma noção de hierarquia. Basicamente porque tenho medo de ser comparado com outros e ser julgado inferior.
- Paradoxalmente com o ponto anterior, eu tendo a subestimar minhas próprias habilidades (esse é basicamente um texto inteiro falando sobre eu ser um cara socialmente inapto). Talvez para tentar diminuir a barreira inicial para as outras pessoas interagirem comigo. Isso provavelmente não funciona e estou tentando ativamente mudar isso, mas é meio enraizado em mim.
Entretanto, no fim das contas a minha sorte é que o mundo está cheio de pessoas legais que me viram parado num canto e resolveram bater um papo, resolveram encontrar algo que nós tinhamos em comum, resolveram apostar naquele cara estranho antes que o cara estranho resolvesse ir embora.
O interessante é que entre outras coisas eu gosto de pensar que o meu perfil é um perfil bem comum na área de computação, provavelmente por causa do ponto 1 e logo eu vou postular que existem mais pessoas “socialmente difíceis” como eu no Instituto de Informática.
Trote
Enfim, assumindo que estas pessoas existam, eu falei toda essa baboseira para chegar no ponto principal: o meu email agressivo e as motivações por trás dele. Vamos assumir que o trote universitário seja um destes “facilitadores” sociais que eu mencionei anteriormente. Na realidade este é o ÚNICO argumento que os proponentes desta prática usam como justificativa e peço que me corrijam se eu estiver errado. É tudo para facilitar a integração certo? O trote que eu recebi não foi assim. Ele sim, quebrou alguns dos princípios nos quais eu baseio as minhas interações sociais e me fez sentir um lixo.
Primeiramente, o trote existe como uma “tradição” o que na minha mente já cria uma associação dos veteranos com o tipo de pessoa que não está afim de pensar e se desviar do comportamento “aceitável”, o tipo de pessoa que eu não consigo interagir facilmente e que provavelmente vai me julgar. Depois, o sentimento todo de hierarquia entre os veteranos e os bixos e as “brincadeirinhas” humilhantes não me ajudam nada a esquecer a ideia de que eu não pertenço àquele grupo e que eu sou odiado e provavelmente que eu odeio os veteranos também.
Por essas e outras eu não fui na segunda parte do trote, onde eu seria mais sujo e teria que beber e catar dinheiro no semáforo. Por muito tempo nunca conversei com nenhum veterano meu porque eu achava que eu não gostava deles. Mais tarde me aproximei de alguns quando fiz cadeiras junto com eles e – SURPRESA! – eles são pessoas introvertidas como eu, pessoas legais, pessoas que eu não odeio. Eles definitivamente NÃO são caras que gostam de humilhar os outros, de entoar hinos ao preconceito e agir como idiotas, entretanto é isto que o comportamento grupal do trote faz eles parecerem.
Em suma, eu acho que odeio a maioria dos meus veteranos, eu não conheço a maioria dos meus veteranos e a única integração que tive foi uma humilhação em comum com os meus colegas. Particularmente acredito que poderíamos fazer melhor, especialmente se pessoas que não gostarem dessa “integração” forem excluídas de eventos posteriores como é este caso particular do churrasco dos ECPs.
Outros caras que mais ou menos concordam com minha indignação sugeriram que se o problema fosse o dinheiro para o churrasco – que os bixos não-participantes do trote não arrecadaram – o churrasco poderia ser pago pelos não-participantes do trote. A réplica que mais capturou o “feeling” dos argumentos, na minha opinião, foi esta:
ECP A escreveu:
Pra constar novamente, alguns semestres atrás minha barra fez um churrasco que toda a ECP
pôde participar e, por consequência, se ‘integrar’. Vocês devem lembrar, chamamos até os professores.
Resultado: só os participantes do trote compareceram.
De fato, isto faz sentido e acho que ainda mais depois de toda essa parede de texto que eu escrevi. Nunca ocorreu integração de verdade, pelo menos não para aquelas pessoas que precisavam de integração. Não ocorreu para aquelas pessoas que não conseguem chegar na frente de alguém, dizer uma ou duas palavras e discutir sobre o jogo de ontém à noite como se fossem amigos de longa data. Estas agora começam o semestre se sentindo inferiores de alguma forma e por isso não podem ou não querem ir para o churrasco onde a integração poderia acontecer.
Tenham em mente…
Por fim, sei que tudo que eu escrevi parece exagerado e caricato, talvez até teatral. Entretanto eu acredito que cada ato nosso propaga uma mensagem para o grupo. A mensagem propagada, de forma bem insistente por esta prática idiota do trote é que não é legal ser introvertido, ter opiniões próprias e interagir no mesmo nível que seus superiores. Realmente poderíamos fazer melhor.
Isso é o que eu acho. A sessão de comentários é logo ali em baixo.
6 Responses to Sobre mim e sobre o Trote Universitário